Sabe qual seria o desfecho da Suzane Von Richthofen se ainda fossemos regidos pelo Código Criminal do Império do Brazil (sim, com Z) em 1.830? Pena de morte.
E o que dizer o Daniel de Pádua, que juntamente com sua esposa, foi responsável por matar a atriz Daniela Perez em uma emboscada num posto de gasolina? A menos que ele conseguisse um perdão de D.Pedro II, seu desfecho possivelmente seria a forca em praça pública, com Direito à uma plateia sedenta pela justiça.
Eram exatamente esses os desfechos que casos de morte listados nos arts. 192 a 195 do Código Criminal do Império, eram sentenciados. Bastava o crime se enquadrar em alguns dos agravantes citados no art. 16 (do mesmo código) que o destino do condenado era a morte, geralmente numa forca e cercado por muitos olhares curiosos e espantados.
Apesar dos relatos parecerem severos, era essa a realidade dos brasileiros que viveram sob códigos penais que reconheciam a morte, distantes de uma Constituição Federal – como é a nossa, de 1988 – que defendia a preservação da vida.
Entender que o Brasil condenou com pena de morte é algo que nos faz entender que à legislação de um país é realmente o reflexo da vida social ao tempo em que foram estabelecidas. Por isso, entender esse contexto é se localizar no tempo.
O Brasil já condenou com pena de morte
O Brasil do período colonial e imperial viveu sob legislações severas, que tratavam a pena de morte como uma sanção legítima e necessária para punir os crimes mais graves.
As Ordenações Filipinas (1603), herdadas de Portugal, já previam a execução em casos como homicídio, latrocínio, traição e até delitos que hoje seriam considerados de menor gravidade.
Com a Independência e a Constituição de 1824, o Império manteve a pena capital em seu ordenamento, e o Código Criminal de 1830 deu contornos mais claros ao instituto. Os arts. 192 a 195 regulamentavam a execução, que normalmente se realizava por enforcamento em praça pública.
Mais do que uma punição, a execução tinha um caráter de espetáculo: multidões se reuniam para assistir, como forma de “afirmar” a ordem social. Casos célebres, como o de Tiradentes (1792) e da Conjuração Baiana (1799), marcaram a história, mostrando como a pena capital era usada não apenas como punição, mas também como instrumento de controle político.
A evolução da primeira república e das Constituições seguintes
A grande ruptura veio com a Constituição de 1891, a primeira da República, que aboliu a pena de morte para crimes comuns, preservando-a apenas em casos excepcionais de guerra declarada. Foi um marco do pensamento republicano, fortemente inspirado pelos ideais iluministas e por obras como Dos Delitos e das Penas, de Cesare Beccaria.
As Constituições seguintes — 1934, 1937, 1946 e 1967/69 — mantiveram essa fórmula: pena de morte só em crimes militares em guerra declarada. Essa limitação foi consolidada na Constituição Federal de 1988 (art. 5º, XLVII, “a”), que consagrou o direito à vida como cláusula pétrea, blindando-o contra alterações que tentassem restabelecer a pena capital em tempos de paz.
Entretanto, permanece o chamado paradoxo militar: o Código Penal Militar (1969) ainda prevê a pena de morte por fuzilamento em crimes como traição, espionagem e deserção diante do inimigo. Ou seja, embora o cidadão comum esteja juridicamente protegido contra a pena capital, o militar em guerra ainda pode ser submetido a essa sanção extrema.
O impacto do Pacto de San José da Costa Rica (1969) nas decisões penais brasileiras
A partir de 1992, o Brasil passou a ser signatário da Convenção Americana de Direitos Humanos, conhecida como Pacto de San José da Costa Rica (1969). Esse tratado internacional reforçou ainda mais as restrições à pena de morte em nosso ordenamento.
O art. 4º do Pacto garante o direito à vida e estabelece limites rígidos:
- a pena de morte só pode ser aplicada para os crimes mais graves;
- não pode ser ampliada para novos delitos;
- não pode ser aplicada a menores de 18 anos, maiores de 70 ou mulheres grávidas;
- e, sobretudo, não pode ser restabelecida nos países que já a aboliram.
No Brasil, isso significa que não apenas a Constituição impede a criação de leis ordinárias restituindo a pena capital em tempos de paz, mas também o Direito Internacional reforça essa vedação. O STF já consolidou que o Pacto tem status supralegal — está acima das leis, mas abaixo da Constituição.
Assim, qualquer proposta legislativa que tente instituir a pena de morte para crimes hediondos, por exemplo, seria flagrantemente inconstitucional e violadora do tratado internacional.
O último condenado à pena de morte no Brasil
O último brasileiro executado oficialmente pela Justiça foi Francisco (Chico) Diogo, em 1876, na cidade de Pilar, Alagoas. Condenado por homicídio, ele foi enforcado em praça pública, sob os olhares de uma multidão.
A sentença se deu com base no Código Criminal de 1830, e chegou ao Imperador Dom Pedro II, que tinha a prerrogativa de conceder perdão ou comutar a pena.
O curioso é que o monarca, influenciado por ideais humanitários, já vinha adotando a prática de não confirmar execuções, preferindo fazer a substituição da pena por prisão perpétua ou trabalhos forçados. No caso de Chico Diogo, contudo, a graça não foi concedida, e a execução foi mantida.
Esse episódio gerou grande impacto social e é considerado um marco histórico: depois dele, nunca mais houve execução de pena de morte no Brasil. Com a República, em 1891, a sanção foi abolida definitivamente para crimes comuns, restando apenas no campo militar e em situação de guerra declarada.
Assim, o enforcamento de Chico Diogo não foi apenas a execução de um homem, mas o último ato de uma era, encerrando a prática da pena capital no cotidiano jurídico brasileiro.
A pena de morte ficou nos livros do passado, mas continua na “boca” do Brasil
A trajetória da pena de morte no Brasil mostra como o Direito acompanha o contexto social e político de cada época. Do espetáculo das execuções públicas à valorização da dignidade humana na Constituição de 1988, as mudanças legais revelam tanto o avanço da sociedade quanto o uso estratégico das leis por interesses políticos.
Se no passado a pena capital refletiu a necessidade de controle social, hoje ela sobrevive apenas como exceção em tempos de guerra. Mas o Direito nunca é estático: ele se molda conforme as pressões do presente. E falar sobre “direitos” é um debate sem fim.
Não raro projetos de lei que visam penas mais severas, apoiados por uma parcela da sociedade que se sente inferiorizada em máquina judiciária que prevalece muitas vezes o criminoso, mais que a vítima. Em contrapartida, uma outra parte defende os avanços legais para o respeito à vida acima de qualquer contexto.
A pena de morte pode até ter saído da legislação do Brasil, mas da boca do povo: nunca!
E diante de um cenário político marcado extremamente polarizado e dividido entre esquerda e direita, fica a pergunta: até que ponto nossas leis continuarão protegendo a vida como valor supremo — ou poderão ser novamente influenciadas por discursos que exploram o medo e a insegurança social? A resposta certa, é a sociedade que define.

