O filme Que Horas Ela Volta retrata esse contexto e ajuda o espectador a refletir sobre essa estrutura trabalhista, marcada por reflexos de uma sociedade elitista e demarcada por limitações de poder , que estão fortemente destacadas na relação entre empregado e empregador.
O conteúdo a seguir usa esse longa metragem para abordar como os trabalhadores domésticos, em sua maioria, mulheres, conseguiram melhores condições para exercerem suas profissões.
“Que Horas Ela Volta?” e as empregadas domésticas
O filme “Que Horas Ela Volta?” (2015), dirigido por Anna Muylaert e protagonizado por Regina Casé, é uma poderosa crítica social que retrata com sensibilidade e profundidade a desigualdade de classes no Brasil.
Através da personagem Val, uma empregada doméstica que trabalha e mora na casa de uma família de classe alta em São Paulo, o filme escancara um modelo de relação patrão-empregada enraizado historicamente no país — marcado por afeto superficial, hierarquias invisíveis e negação de direitos básicos.
Val: reflexo da realidade de milhões de trabalhadoras
Val representa uma geração de mulheres que deixam suas cidades e filhos para cuidar dos filhos de outras famílias, em troca de um emprego com pouca valorização e reconhecimento.
No filme, ela não possui contrato formal, não tem carteira assinada, não recebe horas extras, adicional noturno ou qualquer tipo de proteção trabalhista mais robusta. Dorme no emprego, come em espaço separado da família e sua vida pessoal é inteiramente condicionada ao ambiente de trabalho.
Trabalho doméstico: uma história de Invisibilidade e luta
A informalidade no trabalho doméstico é uma herança direta do período escravocrata brasileiro. Mesmo após a abolição da escravidão em 1888, as mulheres negras — em sua maioria — encontraram no trabalho doméstico a única forma de inserção no mercado. Durante décadas, a legislação trabalhista brasileira ignorou essa categoria, perpetuando um ciclo de exclusão e desvalorização.
Abaixo, seguem-se alguns recortes que marcaram o tema.
1943 – Criação da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho)
Apesar de ser um divisor de águas nos direitos trabalhistas no Brasil, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) praticamente excluiu as empregadas domésticas.
Elas foram classificadas como uma categoria “diferenciada”, o que significava que não tinham direito à maioria dos benefícios garantidos aos demais trabalhadores, tais como:
- Jornada de trabalho;
- Descanso semanal remunerado
- Férias e previdência social;
- Outros.
1972 – Lei 5.859
Pela primeira vez, as empregadas domésticas passaram a ter direito à carteira assinada e à filiação à previdência social. Foi um avanço importante, mas ainda bastante limitado: benefícios como Fundo de Garantia de Tempo de Serviço (FGTS), seguro-desemprego e jornada de trabalho não foram contemplados.
2006 – Lei do Salário Mínimo
Determinou que os empregadores deveriam pagar pelo menos o salário mínimo nacional às empregadas domésticas, reforçando a obrigação já existente.
A Virada Histórica: A PEC das Domésticas (2013)
O verdadeiro divisor de águas veio em 2013, com a aprovação da PEC 66/2012, conhecida como PEC das Domésticas, transformada na Emenda Constitucional nº 72/2013.
Essa emenda estendeu 17 direitos já garantidos a outros trabalhadores urbanos e rurais aos empregados(as) domésticos(as). Entre os principais direitos da Lei, destacam-se:
- Jornada de trabalho de 8 horas diárias e 44 semanais;
- Hora extra com acréscimo de 50%;
- Adicional noturno;
- FGTS obrigatório;
- Seguro-desemprego;
- Salário-família;
- Auxílio-creche;
- Indenização em caso de demissão sem justa causa;
- Proteção contra discriminação salarial e de função;
- Direito a férias remuneradas com adicional de ⅓.
A regulamentação definitiva desses direitos veio com a Lei Complementar nº 150/2015, que estabeleceu regras práticas para o cumprimento da PEC, como o controle da jornada de trabalho e as formas de contribuição ao INSS e ao FGTS.
O Impacto no debate social
“Que Horas Ela Volta?” foi lançado em um momento simbólico: dois anos após a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) das Domésticas e no mesmo ano da regulamentação. O filme motivou um debate nacional sobre o papel das empregadas domésticas e o modelo ultrapassado de servidão que ainda resiste, mesmo com evoluções legais significativas.
Autor: Maria Eduarda Rozão, estudante de Direito da Universidade Santa Lúcia de Mogi Mirim – São Paulo.

