Carandiru – direitos humanos e a realidade do sistema carcerário brasileiro

Se você é fã de filmes que te fazem refletir sobre a realidade, então Carandiru é aquele soco no estômago que te deixa pensando por dias. Mesmo que você não faça parte da área do Direito, é difícil não se perguntar: o que o massacre do Carandiru revela sobre os direitos humanos e a dignidade da pessoa humana garantida na nossa constituição? 

Bora explorar esse tema que mistura direito e cultura pop!

O que foi o massacre do Carandiru?

No dia 2 de outubro de 1992, a Casa de Detenção de São Paulo, conhecida como Carandiru, se tornou palco de uma das maiores tragédias do sistema prisional brasileiro. Depois de um conflito entre presos no pavilhão 9, a intervenção da polícia militar terminou com a morte de 111 detentos. 

O detalhe chocante? Muitos foram executados mesmo após se renderem, segundo investigações. 

Uma cena que ilustra bem essa brutalidade é quando um dos personagens do filme diz: aqui, cadeia é sentença e cela é castigo, reforçando a ideia de que, para muitos, estar preso já é uma condenação além do tempo de pena.

Sobre o filme Carandiru

O filme Carandiru (2003), dirigido por Hector Babenco, é baseado no livro “Estação Carandiru” do Dr. Drauzio Varella, que trabalhou como médico voluntário no presídio. (Sim, ele mesmo do Fantástico!)

No livro, Varella descreve o ambiente do presídio como “um lugar onde a dignidade humana era constantemente testada” e o longa consegue entregar essa perspectiva ao telespectador, se tornando um marco do cinema nacional, destacando o cotidiano dos detentos e a tensão crescente que culminou no massacre. 

O filme é tão incrível que até concorreu à Palma de Ouro, que é um reconhecimento gigante no festival de Cannes em 2003.

Carandiru na perspectiva da Constituição Federal 


O art. 1º, iii, da Constituição Federal estabelece que a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da república federativa do Brasil. 

Isso significa que o estado tem o dever de garantir que todos – inclusive aqueles que estão privados de liberdade – sejam tratados com respeito. 

Cumprir pena não é abrir mão dos direitos fundamentais. Essa visão é reforçada pela lei de execução penal (lep – lei nº 7.210/1984), que prevê a ressocialização e o respeito aos direitos básicos dos presos. 

Como o próprio Drauzio Varella descreve, muitos detentos viviam em condições que violavam esses princípios básicos de dignidade.

A superlotação do Carandiru ainda é assunto atual

Apesar da penitenciária do Carandiru ter sido inativada em 2.002, a falta de espaço nos presídios ainda  é um problema no sistema carcerário brasileiro. 

Para você ter ideia, o brasil possui a terceira maior população carcerária do mundo, perdendo apenas para EUA e China. 

Em muitos presídios, a capacidade é extrapolada em mais de 200%, transformando as celas em verdadeiras panelas de pressão. 

No caso do Carandiru, a prisão que deveria abrigar 3.000 detentos estava “abrigando” mais de 7.000. Ou seja, além do dobro de sua capacidade. 

Em seu próprio livro que inspirou o filme, Varella dá uma ideia de como era a situação no Carandiru: celas construídas para oito homens abrigavam vinte, sem espaço para todos se deitarem ao mesmo tempo. 

A superlotação vivida pelo Carandiru e por outros presídios existentes é um problemão, não só por não contribuir com uma vida digna que permita a reabilitação do detento, como também facilita rebeliões e abusos praticados internamente entre os próprio presos. 

Carandiru fala sobre ressocialização ou punição?


O massacre do Carandiru nos força a encarar uma pergunta desconfortável: nosso sistema prisional está preocupado em ressocializar ou apenas em punir? 

A lei de execução penal deixa claro que a pena deve servir para reintegrar o indivíduo à sociedade, mas a realidade é bem diferente. 

Com a falta de políticas públicas e a marginalização dos egressos, muitos acabam voltando ao crime, criando um ciclo de violência que parece não ter fim. 

E nesse contexto, uma outra frase emblemática do filme ressoa: aqui dentro, você não paga só pelo que fez, mas pelo que é.

O que o filme Carandiru nos ensina sobre direitos?

O massacre do Carandiru é um lembrete gritante de que a dignidade humana não pode ser ignorada, mesmo nos ambientes mais desafiadores. 

Discutir esses temas não é só importante para entender o passado, mas também para evitar que essas tragédias se repitam no futuro.  

Assistir ao Carandiru nunca fica fora de moda

Se você ousar dizer que Carandiru é um filme “velho” por ser de 2003 você está cometendo um pecado enorme! O acontecimento  Carandiru foi tão gigante que afetou muito como conhecemos o nosso sistema brasileiro hoje. 

Após o ocorrido, além da discussão sobre a superlotação e condições desumanas passarem a ser mais questionadas, outros temas ganharam destaque, como: 

Expansão do sistema prisional

Em resposta ao massacre, o governo de São Paulo implementou um plano de descentralização da população carcerária, construindo novas unidades prisionais em cidades do interior do estado.  

Surgimento de facções criminosas

Analistas apontam que o massacre contribuiu para a organização de facções criminosas, como o Primeiro Comando da Capital (PCC), fundado em 1993. A violência extrema no sistema prisional e a falta de proteção aos detentos impulsionaram a formação dessas organizações como forma de resistência e autoproteção.

Em seu livro, Dráuzio até mesmo reforça que essas facções organizaram o sistema penitenciário – que em tese, era uma responsabilidade do Estado. Em trechos da leitura, ele reforça que antes do PCC as enfermarias recebiam detentos vítimas de diferentes tipos de violência, mas que isso reduziu após a estruturação dessas facções que eram feitas dos “detentos para os detentos”.

O que aconteceu com os envolvidos na chacina do Carandiru? 

Então…

Condenações e anulações

Entre 2013 e 2014, 74 policiais militares foram condenados por júri popular, com penas variando de 48 a 624 anos de prisão. No entanto, em 2016, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) anulou essas condenações, alegando falta de provas individualizadas. Em 2021, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) restabeleceu as sentenças, determinando a retomada dos julgamentos das apelações relativas às condenações. 

Indulto presidencial e extinção das penas

Em dezembro de 2022, o então presidente Jair Bolsonaro concedeu um indulto natalino que beneficiava agentes públicos condenados por fatos ocorridos há mais de 30 anos, não considerados hediondos na época. 

E pasme: … esse indulto foi interpretado como aplicável aos policiais do Carandiru.  

Em outubro de 2024, a 4a Câmara de Direito Criminal do TJ-SP declarou a extinção da punibilidade dos policiais condenados, fundamentando-se no indulto presidencial. 

Controvérsias e questionamentos

A Procuradoria-Geral da República (PGR) questionou a constitucionalidade do indulto, argumentando que ele afronta a dignidade humana e beneficia autores de crimes de lesa-humanidade. 

Em janeiro de 2023, a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu temporariamente os efeitos do indulto. No entanto, em junho de 2023, o ministro Luiz Fux autorizou o TJSP a prosseguir com a análise da constitucionalidade do indulto.  

Até o momento, o STF ainda não julgou definitivamente a constitucionalidade do indulto. Enquanto isso, os policiais beneficiados permanecem livres, e o caso continua a gerar debates sobre justiça, impunidade e direitos humanos no Brasil.

Curiosidades sobre o filme Carandiru 

É, eu sei que o clima pesou depois dos últimos parágrafos, então, vamos falar de coisas interessantes da produção do filme?

Para começar, você sabia que as filmagens de Carandiru, algumas cenas foram gravadas na própria penitenciária, pouco antes de sua demolição em 2002? Pois é!

Ah, e tem mais: muitos dos figurantes eram ex-detentos, o que trouxe uma carga ainda mais realista ao filme.E aí, você sabia de tudo isso? Siga o Di Direito para mais conteúdo leve e jurídico! 😉

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima