A História da Proibição da Maconha no Brasil

A proibição da maconha no Brasil envolve um extenso debate entre o controle social, as pressões internacionais e a saúde pública

A trajetória da criminalização da maconha no Brasil não pode ser compreendida apenas como uma questão de saúde pública. Trata-se de um fenômeno social, político e jurídico que envolve preconceito racial, pressões internacionais e disputas sobre o controle do comportamento social.

Primeiras Proibições da maconha (século XIX)

O primeiro registro normativo brasileiro que mencionou a maconha foi o Código de Posturas da Câmara Municipal do Rio de Janeiro de 1830, que proibia o uso e a venda do chamado pito do pango ou pito do diabo.

Esse dispositivo não tinha caráter sanitário, mas representava um mecanismo de controle social, voltado especialmente contra populações negras e pobres que faziam uso da planta em práticas culturais e religiosas (CARVALHO, 2018).

A Criminalização Nacional como “entorpecente” (1938)

O marco inicial da proibição em âmbito nacional foi o Decreto-Lei nº 891/1938, que classificou a maconha como “entorpecente”, equiparando-a a substâncias como a cocaína e a morfina.

Esse enquadramento refletiu não apenas preocupações internas, mas sobretudo a influência das convenções internacionais e da política antidrogas dos Estados Unidos, que à época difundiam o ideário da chamada guerra às drogas em escala global (RODRIGUES, 2017).

A Intensificação Durante a Ditadura Militar

Na Ditadura Militar (1964–1985), a repressão ao uso e tráfico de drogas ganhou contornos ainda mais severos. O Decreto-Lei nº 385/1968 e, posteriormente, outras medidas legais não diferenciavam de forma clara o usuário do traficante.

Essa política punitiva serviu também como instrumento de perseguição a movimentos estudantis e opositores políticos, frequentemente associados ao consumo de drogas como forma de justificar a repressão (FIORE, 2005).

A Lei de Tóxicos de 1976

A Lei nº 6.368/1976, conhecida como Lei de Tóxicos, foi a principal norma regulatória sobre drogas até 2006. A legislação trouxe como inovação a tentativa de diferenciar usuário e traficante.

Contudo, na prática, a distinção era imprecisa, e a pena de prisão ainda se aplicava ao usuário. A ausência de critérios objetivos contribuiu para o aumento da população carcerária, atingindo sobretudo jovens negros e pobres (BATISTA, 2011).

A Lei de Drogas Atual (2006)

A atual legislação, Lei nº 11.343/2006, instituiu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad). Entre suas inovações, destaca-se a despenalização do porte para consumo pessoal, substituindo a pena de prisão por sanções alternativas, como:

  • Advertência sobre os efeitos das drogas;
  • prestação de serviços à comunidade;
  • participação em cursos ou programas educativos.

Apesar disso, a lei não estabeleceu critérios quantitativos objetivos para diferenciar usuário e traficante. Assim, a decisão ficou a cargo da polícia e do juiz, o que gera forte subjetividade e contribui para a seletividade penal e o encarceramento em massa da população negra e periférica (BRASIL, 2006).

Desafios atuais para a liberação da maconha 

O debate contemporâneo gira em torno da descriminalização e até da legalização da maconha. 

O Supremo Tribunal Federal (STF), em julgamentos recentes, discute a constitucionalidade da criminalização do porte para uso pessoal, destacando a necessidade de conciliar a proteção da saúde pública com os princípios constitucionais da liberdade individual e da dignidade da pessoa humana.

Um contexto para refletir 

A história da proibição da maconha no Brasil revela que as escolhas legislativas sobre drogas foram menos orientadas por critérios médicos ou científicos e mais por fatores sociais, políticos e internacionais. A seletividade penal, a influência de políticas estrangeiras e o racismo estrutural permeiam essa trajetória.

Entender esse processo é fundamental para refletir sobre alternativas de política pública que sejam mais justas e eficazes, reduzindo o encarceramento em massa e tratando o uso de drogas como uma questão prioritariamente de saúde pública, e não apenas de repressão penal.
Autor: Vinícius Fonseca Voltan, estudante de Direito da Universidade Santa Lúcia de Mogi Mirim – São Paulo.

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